26 novembro, 2011

O espelho, os monstros e o príncipe!




Escrever tem sido na maior parte das vezes a companhia da minha solidão.
A possibilidade de escoltar a angústia que não se aquieta.

E olha, já desisti de querer ser menos intensa. Fazer o quê? Quando se chega próximo aos 38 anos ouvindo por anos a fio que se precisa ser menos exagerada, menos intensa, mais cautelosa e racional e, apesar de todos os cursos de PNL, imersões, religiões, terapias e vivências, a conduta persegue com o mesmo fundamento – ainda que com condutas diversas, talvez o caminho seja aceitar. Aceitar que não se pode querer a vida pela metade quando só o que contenta é a busca do inteiro; aceitar que não é possível ser conformada, quando só o que basta é buscar a consciência; aceitar que não se pode ser superficial, quando só o que basta é perseguir as respostas das entranhas...

E como dividir isso com o qualquer outro de qualquer relação, sem fazer dele um espelho que reflita sua própria projeção?...

Por isso, a companhia é a solidão. Porque a busca interna é solitária. Ainda que a vida boa te brinde com um amor, com as risadas dos filhos maravilhosos, uns bons parceiros de conversa, de mão dada, da cajuína pedida e em falta, mas que conforta a dor, a busca é só! Porque somente aqui dentro é que a ânsia de não bastar persiste, é na solidão da noite com a cabeça encostada no travesseiro é que se sabe a dor de não conseguir pertencer, de não conseguir adaptar, com os pensamentos vagando por lugares inimagináveis infectando o consciente que ainda está desperto, procurando avidamente o porquê de não confiar, o porquê de não conseguir se entregar. São nos pensamentos solitários que as decisões e consequências destas são duramente questionadas, e, mais ainda, severamente confrontadas na busca desenfreada de uma resposta que acolha o coração e que traga a tão falada maturidade, responsabilidade que te acalme e que faça tudo caber no seu devido lugar.

O solitário é quando não cabe. E tem tanta coisa à sua volta que bradar para o mundo que não cabe e pronto, vai representar a cessão aos instintos infantis e imaturos, de ingenuidade, de quem não cresce, e de novo, a necessidade de TER que CABER, TER que RESPONSABILIZAR, TER que AMADURECER.

Mas oras, quem inventou que para crescer e maturar precisa perder a graça? Quem conceituou que se responsabilizar precisa ter em seus sinônimos se conformar, se “acalmar”? É por isso que Peter Pan ficou na Terra do Nunca, e que Saint-Exupery não se tornou pintor!

Nos arroubos infantis que me tiram o sono, acompanhados pela minha solidão na busca das respostas que cheguem às entranhas e que mostrem sempre o mundo novo onde há sempre mais, também há responsabilidade. Sim, porque é preciso se responsabilizar para ter CORAGEM de olhar para si, de se desnudar para além do espelho, e enxergar nas dimensões que estão atrás da lente reta. Porque ali há mais que a imagem conhecida refletida. Ali há desejos, sombras, monstros, os lados que o eclipse comportamental sempre esconde. Mas e daí que há monstros? Eles são meus, e, afinal de contas, nem todos os monstros são maus. Estão aí o James P. Sullivan, o Mike Wazowski para mostrar que o riso dos monstros produzem muito mais energia que as caretas; e também o Edward Cullen, Jacob Black e Bella Swan para mostrar que o monstro também é bonito e que aceitar-se monstro pode nos levar a viver bem.

E que curioso ver que para aceitar-se monstro, primeiro é preciso sentar consigo à só. E, de novo, só!

Conheço uma pessoa muito querida que se sentou só numa sala, e ali esteve consigo, e revisitou as suas dores, os seus monstros tão intensos, que, assim como eu, somente a escrita foi testemunha. E doeu nela, e dói em mim. Mas ela não perdeu a graça... Ela compreendeu, e pode achar seu riso, seus fios, seus contos para que ali não lhe bastasse, mas lhe mostrasse mais, e conhecer mais e saber que há mais para conhecer, bastando-lhe finalmente entender que não haverá fim.

E conheço uma outra pessoa que sabia ali no íntimo que, enquanto não tivesse coragem de olhar que havia um monstro dentro de si, não poderia sentir a sensação livre do vento tocar-lhe o rosto. E essa pessoa, ao invés de um banco na sala, mergulhou em suas entranhas, e buscou no fundo do seu mais sombrio a luz que havia dentro de si. E sim, também teve dores, que são sentidas, vividas, e compensadas pelo fato de saber que ali dentro dela havia mais, não era só o que o espelho do quarto refletia.

E conheço ainda outra pessoa que estava feliz como vivia, mas tinha a nítida sensação de que havia algo dentro de si, para além da vida que ela carregava, que poderia libertá-la. E ela não sentou na sala, tampouco mergulhou em suas entranhas, ela libertou de seu ventre a CORAGEM de conhecer suas sombras internas, parir uma vida nova e uma nova vida dela. E teve dor sim. As físicas e as emocionais que a transformaram, que fizeram de seus monstros as luzes que iluminaram seu novo caminho.

E outra pessoa, sempre às voltas com a leitura, o compreender, mas com a constante sensação de que lhe faltava algo. Essa nem se sentou com seu monstro, porque sempre foi amiga deles. Essa permitiu a convivência de seus monstros com as alegrias das crianças que a vida lhe brindou, transformando seus conceitos, sabendo-se imperfeita e satisfeita com as incertezas de todos os dias que a vida tem, desde que vividas intensamente.

E falo aqui de uma última pessoa, especificamente, à qual eu tiro chapéu. Essa encarou os monstros de sua loucura, fechou-se num quarto com todos eles soltos ao mesmo tempo e os encarou: vamos nessa! “Já que vocês não me largam, fico aqui presa com vocês!!!”. Pois é, depois de brigarem um tanto no quarto, eles perceberam que tinham que caminhar juntos, e a vida dela se tornou mais inteira. Não sem dor, óbvio. Também não sem solidão, mas com a aceitação de que se pode ser intensa, inteira, com risos e choros.

E, assim como as pessoas que citei acima, conheço outras 23 pessoas que, como eu, cada uma a seu modo, se acompanham na solidão de entender que só se chega a anjo quem está com seu monstro, que caminha com ele, que entende a vida na intensidade, na graça de errar e acertar, na graça de não se conformar, de saber que o essencial é invisível aos olhos e que o que torna belo o deserto é que ele esconde um poço em algum lugar.

Por que, nos meus monstros também existe um Principezinho que diz: Mas os olhos são cegos. É preciso ver com o coração...

Imagem daqui

14 novembro, 2011

DA RECIPROCIDADE



Outro dia, frustrada pelo tratamento que recebi de uma pessoa, me queixei com outra de que fulana não era minha amiga. Daí eu ouvi que não se tratava disso, que eu esperava nas minhas relações mais que amizade, eu queria RECIPROCIDADE, mas sem avisar a pessoa disso, e, por isso me frustrava. Puxa, nunca ninguém tinha me falado isso com tanta clareza. Eu já tinha ouvido coisas como “olha, você espera demais das pessoas”; “você faz por alguém e quer que lhe façam o mesmo”, sim, isso tudo é verdade, mas a pessoa com quem eu conversava definiu perfeitamente: Eu espero RECIPROCIDADE nas relações.

E fiquei dias matutando a questão! Fui pesquisar o que é RECIPROCIDADE e encontrei uma definição bem legal aqui ( http://www.infopedia.pt/$reciprocidade ). Vou copiar um trecho que me chamou atenção: “A reciprocidade é a característica do que é recíproco, sendo este tido como aquilo que marca uma troca equivalente entre duas entidades, grupos ou pessoas. O carácter da reciprocidade é o respeito pelo que é mútuo, incluindo a idéia de partilha ou de retribuição. (...) A reciprocidade faz a passagem de algo, de uma pessoa ou grupo, para outra ou outro, sem qualquer carácter de obrigatoriedade, pelo contrário, voluntariamente.”

Pesquisando mais, encontrei um artigo amplo e profundo sobre Dádiva e Reciprocidade, de Eric Saburin aqui http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v23n66/08.pdf em que ele discorre sobre a diferença entre dádiva e reciprocidade. Nesse artigo, o autor esclarece a dádiva – em linhas gerais – como o ato de doação gratuita, já na reciprocidade há um interesse. Um trechinho do artigo que vale a pena ler inteiro: “na antropologia, a reciprocidade foi muitas vezes limitada ao sistema “dádiva/contradádiva”. Depois da contribuição de Mauss, ela foi associada ao conjunto de relações “dar, receber e retribuir”, que corresponde à reciprocidade das dádivas (ou reciprocidade positiva). De fato, o princípio de reciprocidade é mais global e contempla também a reciprocidade negativa (a de vingança) e a reciprocidade simétrica. Neste sentido mais geral, tal conceito pode ser definido como uma relação mútua reversível entre dois sujeitos.”

Bom, o primeiro artigo dizia exatamente o que eu queria ouvir. Que a reciprocidade era a troca equivalente entre as pessoas, sem obrigatoriedade e voluntária. Obviamente, esse entendimento me atendeu porque atendia também as minhas frustrações e angústias. Já o segundo artigo foi um tiro no pé! Ali, o autor descreveu de forma que me convenceu que na reciprocidade existe um interesse e uma obrigatoriedade do dar/receber/retribuir o que, claramente, tira o caráter voluntário da ação! Caramba, então eu espero nas minhas relações uma troca, na mesma medida do que eu dou? Sim... Eu espero. Olhei-me no espelho despida da vergonha dos interesses internos que tenho, e assumi que espero isso sim. Afinal, quem não espera?!

Nas minhas buscas achei uma pessoa que pensa como eu aqui: http://larissyparente.blogspot.com/2011/02/reciprocidade.html Olha só um trechinho do texto bacana dela: “Mas todos nós mais sensatos e realistas queremos sim toda a reciprocidade possível de outras pessoas. Isso pode não encantar à principio, pois é só o que esperamos, mas no dia-a-dia é justamente o que queremos. Desde as primeiras horas do dia, ao levantar e dizermos bom dia, é um bom dia que esperamos como resposta. Cada sorriso dado, é outro que certamente esperemos. Mas isso nem quer dizer que reciprocidade sempre tenha que vir da mesma forma do que se está sentindo ou fazendo... quando estamos em lágrimas, esperamos mesmo um abraço, é toda a reciprocidade esperada em um momento difícil, essa é uma das que mais me encantam e me conquistam; a demonstração de uma verdadeira lealdade. Reciprocidade mesmo, mais observada e mais desejada é a de sentimentos, essa sim é desejada por todos!”

Acredito que a maior parte das pessoas espera reciprocidade nas suas relações, mas não assumem. Pode ser que eu esteja errada. Começo a rever meus conceitos sobre amizade, sobre relações em que se aceita o outro como é, onde não se espera uma troca. Li um texto da minha querida amiga Renata, no Mamíferas (http://www.mamiferas.com/blog/2011/11/a-maternidade-dos-outros.html) em que ela fala da arte das relações em que se aceita as pessoas como elas são, ou gosta ou não gosta, mas não se espera troca! Ai, caramba! Concordo com a Rê, ela é coerente: “E foi então que eu precisei fazer um exercício bastante trabalhoso, mas que tem compensado e me feito aprender bastante: o exercício de aceitar que o outro é isso mesmo – um outro. Que não precisa pensar como eu, para merecer minha amizade, meu carinho, minha consideração. Que para ser amigo, para estar junto, para compartilhar a caminhada, não precisa ser igualzinho, pensar do mesmo jeito para tudo. Precisa ter alguma afinidade, é claro. Mas não precisa fazer tudo igual. Porque amizade, carinho, nada disso é moeda de troca: te dou, se você fizer do jeito que eu quero. Ou a gente gosta, ou a gente não gosta. E se gosta, está do lado, seja como for.”

Então, concordo com a Renata, a amizade não deve ser uma moeda de troca, mas como fazer para não esperar reciprocidade? Não sei... Preciso começar a fazer o exercício trabalhoso de aceitar as pessoas como elas são, e repensar a minha forma de se relacionar com as pessoas...

O fato é que, enquanto não consigo aceitar a maior parte das minhas relações sem esperar a reciprocidade do DAR/RECEBER/RETRIBUIR, me propus um desafio consciente há cerca de duas semanas (digo consciente porque já há algum tempo tenho agido assim sem perceber): tratar as pessoas (sempre que possível) com reciprocidade, ou seja, da mesma forma com que sou tratada. E, nessas duas semanas eu tive algumas surpresas: um tratamento mais carinhoso por parte de algumas pessoas (o que me leva à conclusão de que eu não dava a atenção e carinho devido), e descontentamento de algumas outras.
Engraçado né? Quando eu comecei tratar as pessoas da forma com que me tratam, algumas se irritaram, se afastaram, ficaram nervosas, tristes, frustradas... E outra conclusão: a reciprocidade (como interesse na troca) só vale quando é para o outro! E aí, como fica?

É preciso desarmar o coração e rever os conceitos para que se possa aceitar o outro como ele é, tal como disse a Renata brilhantemente. Por ora, ainda não é possível. Existe a frustração, a tristeza, a raiva e a incompreensão que precisam ser vividas na sua intensidade, para que possam se esgotar, ser compreendidas e esvaziadas. A partir daí, quem sabe eu consigo trocar a reciprocidade por dádiva, que é o dar sem esperar receber, e viver as relações de coração aberto, sabendo que ali está a possibilidade de cada um?

Para concluir, encontrei duas frases de Antoine de Saint-Exupèry no “O Pequeno Príncipe” sobre as quais agora preciso muito pensar para aprender a amar e me relacionar:
“Quando você dá de si mesmo, você recebe mais do que dá.”
“O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca.”

09 novembro, 2011

Das minhas loucuras


Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
... Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sa...be sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde