Escrever tem sido na maior parte das vezes a companhia da minha solidão.
A possibilidade de escoltar a angústia que não se aquieta.
E olha, já desisti de querer ser menos intensa. Fazer o quê? Quando se chega próximo aos 38 anos ouvindo por anos a fio que se precisa ser menos exagerada, menos intensa, mais cautelosa e racional e, apesar de todos os cursos de PNL, imersões, religiões, terapias e vivências, a conduta persegue com o mesmo fundamento – ainda que com condutas diversas, talvez o caminho seja aceitar. Aceitar que não se pode querer a vida pela metade quando só o que contenta é a busca do inteiro; aceitar que não é possível ser conformada, quando só o que basta é buscar a consciência; aceitar que não se pode ser superficial, quando só o que basta é perseguir as respostas das entranhas...
E como dividir isso com o qualquer outro de qualquer relação, sem fazer dele um espelho que reflita sua própria projeção?...
Por isso, a companhia é a solidão. Porque a busca interna é solitária. Ainda que a vida boa te brinde com um amor, com as risadas dos filhos maravilhosos, uns bons parceiros de conversa, de mão dada, da cajuína pedida e em falta, mas que conforta a dor, a busca é só! Porque somente aqui dentro é que a ânsia de não bastar persiste, é na solidão da noite com a cabeça encostada no travesseiro é que se sabe a dor de não conseguir pertencer, de não conseguir adaptar, com os pensamentos vagando por lugares inimagináveis infectando o consciente que ainda está desperto, procurando avidamente o porquê de não confiar, o porquê de não conseguir se entregar. São nos pensamentos solitários que as decisões e consequências destas são duramente questionadas, e, mais ainda, severamente confrontadas na busca desenfreada de uma resposta que acolha o coração e que traga a tão falada maturidade, responsabilidade que te acalme e que faça tudo caber no seu devido lugar.
O solitário é quando não cabe. E tem tanta coisa à sua volta que bradar para o mundo que não cabe e pronto, vai representar a cessão aos instintos infantis e imaturos, de ingenuidade, de quem não cresce, e de novo, a necessidade de TER que CABER, TER que RESPONSABILIZAR, TER que AMADURECER.
Mas oras, quem inventou que para crescer e maturar precisa perder a graça? Quem conceituou que se responsabilizar precisa ter em seus sinônimos se conformar, se “acalmar”? É por isso que Peter Pan ficou na Terra do Nunca, e que Saint-Exupery não se tornou pintor!
Nos arroubos infantis que me tiram o sono, acompanhados pela minha solidão na busca das respostas que cheguem às entranhas e que mostrem sempre o mundo novo onde há sempre mais, também há responsabilidade. Sim, porque é preciso se responsabilizar para ter CORAGEM de olhar para si, de se desnudar para além do espelho, e enxergar nas dimensões que estão atrás da lente reta. Porque ali há mais que a imagem conhecida refletida. Ali há desejos, sombras, monstros, os lados que o eclipse comportamental sempre esconde. Mas e daí que há monstros? Eles são meus, e, afinal de contas, nem todos os monstros são maus. Estão aí o James P. Sullivan, o Mike Wazowski para mostrar que o riso dos monstros produzem muito mais energia que as caretas; e também o Edward Cullen, Jacob Black e Bella Swan para mostrar que o monstro também é bonito e que aceitar-se monstro pode nos levar a viver bem.
E que curioso ver que para aceitar-se monstro, primeiro é preciso sentar consigo à só. E, de novo, só!
Conheço uma pessoa muito querida que se sentou só numa sala, e ali esteve consigo, e revisitou as suas dores, os seus monstros tão intensos, que, assim como eu, somente a escrita foi testemunha. E doeu nela, e dói em mim. Mas ela não perdeu a graça... Ela compreendeu, e pode achar seu riso, seus fios, seus contos para que ali não lhe bastasse, mas lhe mostrasse mais, e conhecer mais e saber que há mais para conhecer, bastando-lhe finalmente entender que não haverá fim.
E conheço uma outra pessoa que sabia ali no íntimo que, enquanto não tivesse coragem de olhar que havia um monstro dentro de si, não poderia sentir a sensação livre do vento tocar-lhe o rosto. E essa pessoa, ao invés de um banco na sala, mergulhou em suas entranhas, e buscou no fundo do seu mais sombrio a luz que havia dentro de si. E sim, também teve dores, que são sentidas, vividas, e compensadas pelo fato de saber que ali dentro dela havia mais, não era só o que o espelho do quarto refletia.
E conheço ainda outra pessoa que estava feliz como vivia, mas tinha a nítida sensação de que havia algo dentro de si, para além da vida que ela carregava, que poderia libertá-la. E ela não sentou na sala, tampouco mergulhou em suas entranhas, ela libertou de seu ventre a CORAGEM de conhecer suas sombras internas, parir uma vida nova e uma nova vida dela. E teve dor sim. As físicas e as emocionais que a transformaram, que fizeram de seus monstros as luzes que iluminaram seu novo caminho.
E outra pessoa, sempre às voltas com a leitura, o compreender, mas com a constante sensação de que lhe faltava algo. Essa nem se sentou com seu monstro, porque sempre foi amiga deles. Essa permitiu a convivência de seus monstros com as alegrias das crianças que a vida lhe brindou, transformando seus conceitos, sabendo-se imperfeita e satisfeita com as incertezas de todos os dias que a vida tem, desde que vividas intensamente.
E falo aqui de uma última pessoa, especificamente, à qual eu tiro chapéu. Essa encarou os monstros de sua loucura, fechou-se num quarto com todos eles soltos ao mesmo tempo e os encarou: vamos nessa! “Já que vocês não me largam, fico aqui presa com vocês!!!”. Pois é, depois de brigarem um tanto no quarto, eles perceberam que tinham que caminhar juntos, e a vida dela se tornou mais inteira. Não sem dor, óbvio. Também não sem solidão, mas com a aceitação de que se pode ser intensa, inteira, com risos e choros.
E, assim como as pessoas que citei acima, conheço outras 23 pessoas que, como eu, cada uma a seu modo, se acompanham na solidão de entender que só se chega a anjo quem está com seu monstro, que caminha com ele, que entende a vida na intensidade, na graça de errar e acertar, na graça de não se conformar, de saber que o essencial é invisível aos olhos e que o que torna belo o deserto é que ele esconde um poço em algum lugar.
Por que, nos meus monstros também existe um Principezinho que diz: Mas os olhos são cegos. É preciso ver com o coração...
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