14 novembro, 2011

DA RECIPROCIDADE



Outro dia, frustrada pelo tratamento que recebi de uma pessoa, me queixei com outra de que fulana não era minha amiga. Daí eu ouvi que não se tratava disso, que eu esperava nas minhas relações mais que amizade, eu queria RECIPROCIDADE, mas sem avisar a pessoa disso, e, por isso me frustrava. Puxa, nunca ninguém tinha me falado isso com tanta clareza. Eu já tinha ouvido coisas como “olha, você espera demais das pessoas”; “você faz por alguém e quer que lhe façam o mesmo”, sim, isso tudo é verdade, mas a pessoa com quem eu conversava definiu perfeitamente: Eu espero RECIPROCIDADE nas relações.

E fiquei dias matutando a questão! Fui pesquisar o que é RECIPROCIDADE e encontrei uma definição bem legal aqui ( http://www.infopedia.pt/$reciprocidade ). Vou copiar um trecho que me chamou atenção: “A reciprocidade é a característica do que é recíproco, sendo este tido como aquilo que marca uma troca equivalente entre duas entidades, grupos ou pessoas. O carácter da reciprocidade é o respeito pelo que é mútuo, incluindo a idéia de partilha ou de retribuição. (...) A reciprocidade faz a passagem de algo, de uma pessoa ou grupo, para outra ou outro, sem qualquer carácter de obrigatoriedade, pelo contrário, voluntariamente.”

Pesquisando mais, encontrei um artigo amplo e profundo sobre Dádiva e Reciprocidade, de Eric Saburin aqui http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v23n66/08.pdf em que ele discorre sobre a diferença entre dádiva e reciprocidade. Nesse artigo, o autor esclarece a dádiva – em linhas gerais – como o ato de doação gratuita, já na reciprocidade há um interesse. Um trechinho do artigo que vale a pena ler inteiro: “na antropologia, a reciprocidade foi muitas vezes limitada ao sistema “dádiva/contradádiva”. Depois da contribuição de Mauss, ela foi associada ao conjunto de relações “dar, receber e retribuir”, que corresponde à reciprocidade das dádivas (ou reciprocidade positiva). De fato, o princípio de reciprocidade é mais global e contempla também a reciprocidade negativa (a de vingança) e a reciprocidade simétrica. Neste sentido mais geral, tal conceito pode ser definido como uma relação mútua reversível entre dois sujeitos.”

Bom, o primeiro artigo dizia exatamente o que eu queria ouvir. Que a reciprocidade era a troca equivalente entre as pessoas, sem obrigatoriedade e voluntária. Obviamente, esse entendimento me atendeu porque atendia também as minhas frustrações e angústias. Já o segundo artigo foi um tiro no pé! Ali, o autor descreveu de forma que me convenceu que na reciprocidade existe um interesse e uma obrigatoriedade do dar/receber/retribuir o que, claramente, tira o caráter voluntário da ação! Caramba, então eu espero nas minhas relações uma troca, na mesma medida do que eu dou? Sim... Eu espero. Olhei-me no espelho despida da vergonha dos interesses internos que tenho, e assumi que espero isso sim. Afinal, quem não espera?!

Nas minhas buscas achei uma pessoa que pensa como eu aqui: http://larissyparente.blogspot.com/2011/02/reciprocidade.html Olha só um trechinho do texto bacana dela: “Mas todos nós mais sensatos e realistas queremos sim toda a reciprocidade possível de outras pessoas. Isso pode não encantar à principio, pois é só o que esperamos, mas no dia-a-dia é justamente o que queremos. Desde as primeiras horas do dia, ao levantar e dizermos bom dia, é um bom dia que esperamos como resposta. Cada sorriso dado, é outro que certamente esperemos. Mas isso nem quer dizer que reciprocidade sempre tenha que vir da mesma forma do que se está sentindo ou fazendo... quando estamos em lágrimas, esperamos mesmo um abraço, é toda a reciprocidade esperada em um momento difícil, essa é uma das que mais me encantam e me conquistam; a demonstração de uma verdadeira lealdade. Reciprocidade mesmo, mais observada e mais desejada é a de sentimentos, essa sim é desejada por todos!”

Acredito que a maior parte das pessoas espera reciprocidade nas suas relações, mas não assumem. Pode ser que eu esteja errada. Começo a rever meus conceitos sobre amizade, sobre relações em que se aceita o outro como é, onde não se espera uma troca. Li um texto da minha querida amiga Renata, no Mamíferas (http://www.mamiferas.com/blog/2011/11/a-maternidade-dos-outros.html) em que ela fala da arte das relações em que se aceita as pessoas como elas são, ou gosta ou não gosta, mas não se espera troca! Ai, caramba! Concordo com a Rê, ela é coerente: “E foi então que eu precisei fazer um exercício bastante trabalhoso, mas que tem compensado e me feito aprender bastante: o exercício de aceitar que o outro é isso mesmo – um outro. Que não precisa pensar como eu, para merecer minha amizade, meu carinho, minha consideração. Que para ser amigo, para estar junto, para compartilhar a caminhada, não precisa ser igualzinho, pensar do mesmo jeito para tudo. Precisa ter alguma afinidade, é claro. Mas não precisa fazer tudo igual. Porque amizade, carinho, nada disso é moeda de troca: te dou, se você fizer do jeito que eu quero. Ou a gente gosta, ou a gente não gosta. E se gosta, está do lado, seja como for.”

Então, concordo com a Renata, a amizade não deve ser uma moeda de troca, mas como fazer para não esperar reciprocidade? Não sei... Preciso começar a fazer o exercício trabalhoso de aceitar as pessoas como elas são, e repensar a minha forma de se relacionar com as pessoas...

O fato é que, enquanto não consigo aceitar a maior parte das minhas relações sem esperar a reciprocidade do DAR/RECEBER/RETRIBUIR, me propus um desafio consciente há cerca de duas semanas (digo consciente porque já há algum tempo tenho agido assim sem perceber): tratar as pessoas (sempre que possível) com reciprocidade, ou seja, da mesma forma com que sou tratada. E, nessas duas semanas eu tive algumas surpresas: um tratamento mais carinhoso por parte de algumas pessoas (o que me leva à conclusão de que eu não dava a atenção e carinho devido), e descontentamento de algumas outras.
Engraçado né? Quando eu comecei tratar as pessoas da forma com que me tratam, algumas se irritaram, se afastaram, ficaram nervosas, tristes, frustradas... E outra conclusão: a reciprocidade (como interesse na troca) só vale quando é para o outro! E aí, como fica?

É preciso desarmar o coração e rever os conceitos para que se possa aceitar o outro como ele é, tal como disse a Renata brilhantemente. Por ora, ainda não é possível. Existe a frustração, a tristeza, a raiva e a incompreensão que precisam ser vividas na sua intensidade, para que possam se esgotar, ser compreendidas e esvaziadas. A partir daí, quem sabe eu consigo trocar a reciprocidade por dádiva, que é o dar sem esperar receber, e viver as relações de coração aberto, sabendo que ali está a possibilidade de cada um?

Para concluir, encontrei duas frases de Antoine de Saint-Exupèry no “O Pequeno Príncipe” sobre as quais agora preciso muito pensar para aprender a amar e me relacionar:
“Quando você dá de si mesmo, você recebe mais do que dá.”
“O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca.”

Um comentário:

Anônimo disse...

a teoria da dádiva foi usada por uma amiga no mestrado em redes. é isso aí.

bjos ana.

Raquel